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terça-feira, 17 de novembro de 2009

O empresário da década e o estilo de vida

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Por Amanda Costa
para o Acerto de Contas
Esse nosso vigésimo post é uma espécie de continuação do anterior, e não poderia deixar de ser, pois todos devem ter ficado sabendo que Steve Jobs (aquele maluco milionário hiper criativo de quem falo de vez em quando) recebeu há alguns dias o título de "empresário da década", conferido pela revista Fortune. A trajetória de Jobs na Apple é, de fato, merecedora de reconhecimento. O sujeito foi co-fundador da empresa no início da década de 1980, depois deixou o grupo por desentendimentos e, anos mais tarde, retornou para ser a tábua de salvação que não apenas impediu a falência da empresa, mas recolocou-a nos trilhos do sucesso, e que sucesso: desde seu retorno, em 1997, as ações da Apple já subiram mais de 1.250%. Para se ter uma idéia do que isso significa, em outubro de 2007 o vice-presidente sênior de varejo da Apple vendeu 700 mil ações da empresa pela bagatela de 130 milhões de dólares (sem descontar os impostos).
Esse desempenho surpreendente se deve ao motor da criatividade, não apenas de Jobs, mas de sua enxuta e qualificada equipe de funcionários. Todo produto que a empresa lança vira febre e influencia o design de tudo o que se produz em informática. Nada é lançado hoje no mercado de tecnologias de informação e comunicação sem que se adote um visual "iPhoneano": tudo é preto (ou branco), arredondado e brilhante.
Uma das grandes sacada da Apple foi ter percebido antes de todo mundo que o computador pessoal seria aquilo que Jobs batizou de "hub digital". Um hub é qualquer dispositivo que aceita conexões de outros dispositivos e atua simultaneamente como central de recepção e transmissão de dados. Pois bem, a idéia de que o estilo de vida digital (trabalho, comunicação, lazer etc.) giraria em torno do computador pessoal, foi a grande sacada da Apple já pelos idos de 2000.

O entendimento de que o estilo de vida das áreas urbanas gira em torno do computador pessoal parece uma obviedade hoje, mas, no início do milênio, o prognóstico de que o nosso modus vivendi seria digitalizado de maneira avassaladora em tão pouco tempo não era tão evidente, mesmo no primeiro mundo. Até então, o computador era apenas uma estação de trabalho e um meio de comunicação (para quem tinha internet), ou seja, um aparelho ligado ao mundo do trabalho e aos escritórios domésticos. Lazer e vida pessoal eram departamentos muito pouco digitalizados.
A bola de cristal de Jobs é tudo
Steve Jobs sacou, antes da concorrência, que essa revolução aconteceria de forma muito rápida e profunda. Lembro que mesmo os pesquisadores especializados ainda achavam, no início da década, que vídeo via web, por exemplo, era algo que só se tornaria viável daqui a muito tempo. Recordo-me de ter lido Castells afirmar, em um livro lançado em 2001, que não veríamos nesta primeira década o uso de vídeo em larga escala como entretenimento na web, dada a inviabilidade técnica. Mal sabia ele que o YouTube despontaria dali a pouco como febre internacional. O entretenimento digital em massa estava a caminho.
Quando a Apple lançou o iMovie (primeiro aplicativo dedicado à edição de vídeos domésticos, copiado depois pela Microsoft que lançou o Movie Maker), Jobs teve o estalo que lhe fez perceber o quanto o computador potencializa os periféricos que podem ser conectados a ele. Nunca antes o usuário comum teve a possibilidade de pegar um vídeo doméstico e editá-lo com trilha sonora, transições e efeitos especiais. Isso expandia muito o valor de uma simples filmadora digital.
A percepção precoce de Jobs se tornou a base que orientou a estratégia empresarial da Apple, influenciando o desenvolvimento dos produtos e a concepção das lojas de varejo da empresa. O sujeito sabia que o acesso a dispositivos digitais (celulares, DVD players, câmeras, filmadoras etc.) estava se universalizando, e que todos eles vinham com a possibilidade de conexão ao computador pessoal, ou seja, todos convergiam para um mesmo ponto. Mas ele sacou também que o computador não era apenas um desaguadouro de mídias. As mídias que desaguavam no pc eram potencializadas por ele: vídeos podiam ser editados e transformados em filmes para a web ou DVD; fotos podiam ser trabalhadas e compartilhadas; música digital podia ser remixada, baixada ou enviada para outros usuários e servidores. O computador era cada vez mais, e por excelência, uma estação de trabalho, uma ferramenta polivalente de comunicação e um playground para divertimentos digitais, enfim… um "hub digital".
Há males que vêm para bem
Mas não foi apenas a bola de cristal de Jobs que o ajudou a entrar na praia do hub. Na verdade, a Apple começou a desenvolver seus programas dedicados ao estilo de vida digital (iMovie, iPhoto, Garageband) porque havia um buraco (ou uma cratera) a ser preenchido no mercado de software destinados ao Mac OS X (novo sistema operacional da empresa): ninguém queria escrever programas para rodar nesse sistema lançado pela Apple. A Adobe, por exemplo, recusou-se solenemente a adaptar seus software ao novo sistema. Só a Microsoft se comprometeu a fazer novas versões do Office e do Internet Explorer para o Mac OS X, mas não fez isso por bondade, foi um acordo para não ser processada pela Apple por copiar-lhe a idéia da interface gráfica, esse troço que permite que a gente interaja com o computador usando o mouse, sem precisar digitar linhas de comando em uma interface puramente textual como se fazia em mil novecentos e bolinha.
Como ninguém, além da Microsoft, queria escrever software para o novo sistema operacional, a Apple resolveu fazer os aplicativos por conta própria e iniciou mais um bem-sucedido caminho, o dos programas voltados ao estilo de vida digital. A idéia era ampliar as funcionalidades dos dispositivos que podiam ser conectados ao computador, transformado-o na tecnologia central das casas dos usuários. Aliás, esse é o grande foco da Apple. Ela não mira no mercado corporativo, como faz a Microsoft, mas no usuário.
A estratégia do "hub digital", segundo os analistas, tem sido parcialmente bem-sucedida. Parcialmente porque apesar de os programas dedicados ao estilo de vida digital terem sido bem recebidos pela imprensa especializada, sendo até considerados os melhores na área, não se tornaram um atrativo suficiente para angariar novos usuários, não foram um "fenômeno", mas fidelizaram fortemente os usuários já existentes. Adicionalmente, os lançamentos do iPod, do iPhone e todas as tranqueiras que a Apple vem desenvolvendo continuam, e continuarão, a fazer sucesso estrondoso. São bugigangas (não interpretem essa expressão de modo pejorativo, please!) muito bacanas que podem ser conectadas ao computador e maximizadas por ele. Os applemaniacos não têm do que se queixar, pois a suíte de aplicativos e dispositivos Apple oferece um repertório incrível de ferramentas para o exercício da criatividade.
Mas para não ficar parecendo que Steve Jobs, o empresário da década, nunca dorme no ponto, há um episódio muito interessante sobre as capacidades de sua clarividência que precisa ser relatado. No início da década, quando Jobs estava obcecado por vídeos no computador e achava que os usuários cairiam aos pés do iMovie, eles estavam interessados mesmo em música. As câmeras e filmadoras digitais ainda não estavam com essa bola toda, e o usuário queria mesmo era baixar músicas na internet, compartilhá-las com outros usuários e, não esqueçam, queimar CDs. Os aparelhos de som, em sua maioria, ainda não tocavam mp3. Também não havia a disseminação do mp3 player, logo, a solução era queimar CDs para ouvir no aparelho de som ou no carro.
Aquele que viria a ser o empresário da década, dormiu no ponto. Sua vidência estava cega para o que acontecia no momento e a Apple amargou uma grande queda na venda de computadores entre 2000 e 2001. O motivo? Em parte porque os computadores fabricados pela empresa não vinham com gravadores de CDs! Convenhamos, foi uma falha inadmissível!
Mas tem gente que mesmo no azar encontra a sorte. Por conta dessa dormida no ponto, a Apple quis voltar com tudo e revolucionar o setor de músicas digitalizadas. Comprou um software tocador de música bem popular na época, desenvolvido por uma pequena empresa, contratou o principal programador do aplicativo e passaram meses refinado-o, simplificando-o, até transformá-lo no fenomenal iTunes. Ao mesmo tempo, Jobs e seus executivos deram uma geral nos players portáteis que existiam na época, observaram exaustivamente o que havia de melhor e de pior no mercado e perceberam logo que esses dispositivos eram umas geringonças enormes e complicadas ou pequenas e ineficientes, a capacidade de armazenamento era ridícula, a autonomia das baterias sofrível e a baixa velocidade de transferência de arquivos via computador era desestimulante.
Com esforço exaustivo, a equipe resolveu cada um desses problemas, contando também com a expertise de outras empresas, como a Toshiba que tinha desenvolvido um disco rígido de 1,8 polegadas de diâmetro. Após meses de trabalho e sigilo absoluto, a Apple lançou o iPod: um player pequeno, leve, simples, rápido, seguro, com grande capacidade de armazenamento e uma bateria que não precisa trocar nunca. Sem falar no design que foi e continua a ser imitado por todos os fabricantes de players. Mais tarde viria o irmão mais evoluído, o iPhone, e a galerinha digital venderia a vovó para comprar esse novo aparelhinho.
Calcanhar de Aquiles
Mas nem tudo são flores na vida de Jobs. Como é de conhecimento público, o empresário da década sofre de câncer no pâncreas há alguns anos. Na verdade, acreditava-se que ele havia se curado após um tratamento, mas esse tipo de câncer costuma ser recorrente e os médicos detectaram que a doença retornou no final do ano passado. A cada aparição pública o executivo da Apple exibe uma aparência mais debilitada, contrastando com a história de vitórias pessoais e profissionais que marcam os 54 anos de sua trajetória na face desse nosso planetinha.
Fins trágicos parecem ser uma marca comum à maioria das pessoas brilhantes que já passaram por aqui. Será que uma vida marcante não pode terminar com uma morte banal à sombra de um coqueiro? De toda forma, enquanto esperança houver: "vida longa ao rei".
Amanda Costa é designer educacional, graduanda em Pedagogia pela UFPE, aspirante à mestranda em Educação Tecnológica e autora do blog TIC`s na Educação.
Ps: Quem puder, leia "A cabeça de Steve Jobs", de Leander Kahney, vai saber muito mais sobre sua trajetória profissional e contraditório modo de ser.
Manuel Castells (1942), sociólogo espanhol e renomado pesquisador sobre o impacto social das novas tecnologias.


A palavra "software" não tem plural, por isso o leitor nunca encontrará "softwareS"em meus textos.


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